O Evangelho que escutamos a pouco parece sem grandes fatos e grandes ensinamentos. É rico somente de nomes; tantos nomes: João Batista, André, Simão Pedro e, continuando na leitura, Filipe, Natanael. Mesmo assim, que força emana desta breve narração! Jesus faz os seus primeiros discípulos; inicia uma nova fase da sua vida.
Também na primeira leitura (1 Sm 3,3b-10.19) escutamos a narração do chamado de um homem – Samuel – por Deus. Mas aqui é diferente; aqui sentimos que a coisa no diz mais respeito; é o primado de um chamado que chegou também a nós, porque também nós somos discípulos de Jesus de Nazaré. Nós somos convidados hoje a fazer, como aqueles dois primeiros discípulos, a alegre descoberta de Jesus como nosso Mestre.
Como foi simples aquele primeiro encontro, do qual devia nascer nada menos do que o colégio apostólico e a Igreja: Mestre, onde moras? Vinde e vede. Foram – escreve o evangelista João que estava entre os presentes – e ficaram com ele todo aquele dia. O que disseram, não o sabemos; sabemos porém que disseram de permanecer com ele toda a vida. Não se contentaram, ou melhor, de ficar com ele a sós e de ter para si o chamado: André corre para dizer a Simão, seu irmão; Filipe a Natanael: “Encontramos aquele de quem Moisés escreveu na Lei e nos profetas” (Jo 1,45). Também João corre para dizer a alguém porque, logo depois, com ele encontramos seu irmão Tiago.
Os discípulos fazem discípulos; partilham, com incontentável desejo, a sua descoberta aos outros. Estes homens o seguiram por toda a vida; beberam o cálice do Senhor e se tornaram seus amigos. Um evangelista (cf. Mc 1,16ss) nos conta como, logo após, eles abandonaram o seu emprego de pescadores, deram adeus ao próprio pai, mulher, e permaneceram no seguimento de Jesus. A denominação de “discípulos de Jesus de Nazaré” se torna a nova identidade pessoal deles, como uma nova filiação e uma nova profissão, substituindo aquela de filho de Zebedeu, de zelota, de publicano, de pescador, etc. Uma identidade que se fazia a cada dia sempre mais perigosa e desafiante, até se mostrar motivo de acusação: “Tu és um dos seus discípulos!”; “Tu estavas com Jesus de Nazaré!”. Nasce assim a figura do “discípulo oculto por medo dos judeus” (cf. Jo 19,38). A figura do discípulo que vai até Jesus de noite, como Nicodemos, por medo de comprometer-se (cf. Jo 3,1).
Mas, ao lado desta figura, brilha com maior luz a figura do discípulo-testemunha; até chegar àquele do testemunho supremo: o martírio. Os apóstolos diante do Sinédrio: “Não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos” (At 4,20). É uma figura que não passa despercebida. São comoventes algumas vozes dos mártires. O Procônsul exorta Policarpo – um discípulo de João – com as palavras: “Jura e te libertarei, insulta o Cristo”. Responde Policarpo: “Desde oitenta e seis anos o sirvo e não nunca me fez mal (como a dizer: nunca me desiludiu); como poderei blasfemar o meu rei e o meu salvador?... Te iludes que eu jure sobre a sorte de César; se finges de não saber que eu seja, escuta portanto aquilo que eu te digo com franqueza: sou discípulo de Cristo”. Um então atravessa o estádio gritando três vezes: “Policarpo confirmou de ser discípulo de Cristo”. Pouco depois, o bispo morria na fogueira com esta oração nos lábios: “Senhor, Deus onipotente, te bendigo porque me tornastes digno de ser incluído no número das testemunhas e de partilhar o cálice do teu Cristo” (Martírio de S. policarpo). Entre os mártires de Lião em 177, havia um chamado Santo. Os carrascos o torturaram para tirar-lhe alguma frase comprometedora, mas não conseguiam fazê-lo dizer o seu nome e nem aquele da nação ou da cidade, nem se era escravo ou livre. Escreve o cronista da época: “A todas as perguntas respondia em latim: sou discípulo de Cristo (christianus sum). Este era o nome, a sua cidade, a sua raça, o seu tudo” (Eusébio, História eclesiástica V,1,1-2).
Uma outra característica do discípulo de Jesus que aparece com todo o seu frescor na Igreja primitiva é aquela da imitação, ou melhor da seqüela do Mestre. Também essa encontra o seu ápice no martírio. O mártir santo Inácio de Antioquia formulou este programa como “um ir a Cristo”, um alcançar a Cristo. A imagem é sugerida pela sua situação; ele está indo de Antioquia da Síria para Roma para ser comida às feras no anfiteatro Flávio; andando do oriente para o ocidente, a sua viagem lhe parece como aquele do sol que vai em rumo ao anoitecer, para ressurgir ainda: “É belo – diz – anoitecer em Deus para reencontrar-me depois em Cristo”. É uma página que não se pode ler sem tremer de comoção: “perdoai- me irmãos: eu sei o que me convém; agora começo a ser um verdadeiro discípulo de Jesus; nenhuma coisa visível ou invisível me impeça de alcançar Jesus Cristo: o fogo, a cruz, as feras e os tormentos, as feridas, os dilaceramentos, as deslocações, as mutilações, o trituramento de todo o corpo, os mais malvados tormentos do demônio venham sobre mim, para que eu alcance Jesus Cristo. Eu procuro aquele que morreu por nós; é ele que quero, ele que ressuscitou por nós” (Santo Inácio de Antioquia, Carta aos romanos, 5).
Estas vozes da Igreja nascente nos mostram o que significava para os primeiros cristãos serem discípulos de Jesus; neles podemos redescobrir o genuíno conteúdo deste título que exprime a nossa verdadeira identidade, ou melhor, o próprio significado originário do nome de “cristãos”: em Antioquia – narram os Atos dos Apóstolos – pela primeira vez os discípulos receberam o nome de cristãos (cf. At 11,26); ou seja: as autoridades os denominaram oficialmente como “seguidores de Cristo”.
Também hoje, sermos discípulos de Jesus de Nazaré significa essencialmente duas coisas: primeiro, imitar Cristo, no mesmo sentido que entende o evangelho de colocar-se no seu seguimento e aprender dele, sobretudo aprender a fazer a vontade do Pai; segundo, testemunhar Cristo, dizer ao mundo quem ele é, o que ele foi e é para nós, fazer outros discípulos. Tudo isso começando na nossa própria casa; as primeiras pessoas pelas quais André e João contaram o que descobriram foram os próprios irmãos; não se envergonharam de falar de Jesus em casa! As narrações das primeiras conversões, nos Atos dos Apóstolos, terminam muitas vezes com as palavras: “E creram ele com todos aqueles da sua casa”.
Poderemos tratar longamente sobre as riquezas e as implicações deste programa de imitadores e de testemunhas de Cristo (de testemunhas enquanto imitadores!). São Paulo, na segunda leitura (1Cor 6,13-15.17-20) nos recorda um âmbito da vida pela qual os discípulos de Cristo são chamados a dar o seu testemunho evangélico: aquele do domínio de si e do respeito à reta ordem na vida sexual, já que – diz ele – o nosso corpo pertence ao Senhor e está destinado à ressurreição e não nos é dado para fazer dele um instrumento de prazer com fim em si mesmo.
Mas hoje não me proponho tanto de indicar os vários conteúdos e os vários deveres ligados à profissão cristã, quanto de reavivar ou de acender em nós um estado de animo, o senso vivo de uma pertença: redescobrir-nos discípulos de Jesus de Nazaré! Quando escutamos dizer no Evangelho: “Disse Jesus aos seus discípulos...” devemos sobressaltar, como alguém que é chamado pelo nome e dizer a nós mesmos: Este sou eu; se fala de mim; se fala a mim; “tua res agitur”! (“Trata-se de coisa tua. É de teu interesse” [Horácio, Epistola 1,18,84] nota do tradutor).
Que programa para nós! Sermos reconhecidos logo num primeiro olhar como discípulos de Jesus de Nazaré. Que quem nos vê e nos conhece possa dizer, como disse a serva a Pedro: “Tu és um dos seus discípulos” (cf. Jo 18,25); o teu modo de falar de denuncia! (cf. Mt 26,73). Melhor ainda se puder acrescentar: manifesta-o o teu modo de viver! Já que, como dizia o próprio mártir santo Inácio: “É melhor ser cristão sem dizê-lo do que dizê-lo sem sê-lo” (Santo Inácio de Antioquia, Carta aos Efésios, 15,1).
Jesus espera e merece tais discípulos; a estes dá a sua força e o seu amor; não lhes chama mais servos mas amigos; a eles promete a sua companhia na eternidade: “Pai, quero que, onde eu estiver, aqueles que me deste estejam comigo a fim de que vejam a minha glória que tu me deste” (Jo 17,24). Hoje, como quando Jesus era em vida, é difícil fazer-se reconhecer por discípulo. Hoje também há seus perigos, em certos ambientes, de ser “expulsos da sinagoga”, ou seja, boicotados, apontados com o dedo, ou olhados como pessoas de psicologia nociva.
O processo sobre Jesus continua no grande sinédrio do mundo. Também hoje, o mundo interroga Jesus a respeito dos seus discípulos (Jo 18,19). Mas interroga também os discípulos sobre Jesus; infeliz se responder: “Não o conheço!” porque, neste caso, ele um dia será constrangido a dizer-nos: “Não vos conheço” (Mt 25,12).
Jesus não nos deixa sós nesta árdua tarefa de sermos seus discípulos e suas testemunhas; logo agora na Eucaristia, depois de nos ter despertado para esta missão, ele vem para estar conosco com o seu pão; já agora, ele se cinge para nos servir na sua mesa. “Magister adest”: “o Mestre está aqui” (Jo 11,28).
Raniero cantalamessa, Parola e vita, anno B, Città Nuova (trad.)