EPIFANIA DO SENHOR – ANO B

 

Os sinais dos tempos

Recordamos neste dia três mistérios: Hoje a estrela guia os Magos ao presépio. Hoje a água se faz vinho para as bodas. Hoje Cristo no Jordão é batizado para salvar-nos. Aleluia, aleluia” (Liturgia das Horas, antífona do cântico evangélico, II Vésperas ).
Com estas palavras, a liturgia das horas descreve o conteúdo da festa de hodierna; esta consiste na tríplice revelação de Cristo aos magos, nas bodas de Caná e no batismo de Jesus no Jordão. O que induz, desde tempos remotos, a reunir estes três eventos numa só festa é o seu significado comum de manifestação (em grego: epifania). Jesus neles se revela progressivamente por aquilo que é na realidade, ou seja o Messias e o Salvador: “manifestou a sua glória”, como diz João (Jo 2,11).
Quero tentar neste ano, uma compreensão nova desta festa, partindo do advérbio de tempo que com tanta insistência recorre na liturgia do tempo natalício: hodie, hoje: “Hoje Cristo nasceu, hoje apareceu o Salvador”. Nós não celebramos, portanto, um fato acontecido um vez por todas no passado, mas algo que continua também hoje sob os nossos olhos; nós não celebramos o Cristo que um dia se manifestou aos sábios por meio de uma estrela, mas o Cristo que hoje se manifesta, que hoje chama os homens à fé.
É esta a epifania sempre em ato na história. Esta se baseia sobre um fato certíssimo: Cristo está ainda hoje presente no mundo; a sua ressurreição inaugurou um novo modo de estar entre e de se manifestar entre nós; não mais num modo carnal ou físico, mas espiritual (cf. Rm 1,3-4). Por isto, a Escritura pode dizer de Cristo foi “ontem”, mas que  também é “hoje” (Hb 13,8). Certamente, se trata de uma presença escondida, problemática, que foge aos cronistas deste mundo; não se pode dizer dele: Eis, o Cristo está ali ou acolá (Mt 24,23). Também Jesus Cristo é, numa certa maneira, um “Deus escondido” (IS 45,15), presente e ausente ao mesmo tempo. A sua manifestação é confiada aos sinais que não se acendem e não se tornam eloqüentes senão em presença da fé, mesmo se, misteriosamente, são eles que devem suscitar tal fé. Sinais que são claros para alguns e obscuros para outros, como a nuvem do êxodo que “era tenebrosa para os egípcios, enquanto que para os israelitas iluminava a “ (Ex 14,20).
Pelos relatos evangélicos tiramos somente uma certeza: Cristo se revela a todo povo e a toda categoria de pessoas com sinais a eles apropriados e compreensíveis. Aos simples pastores, envia um anjo; aos sábios, habituados a perscrutar o curso dos astros, envia uma estrela; para os judeus, apegados aos sinais, dá um sinal, ou seja, um milagre: muda a água em vinho.
Eis que estamos aqui para nos perguntar nesta solenidade da Epifania: com quais sinais Cristo se manifesta aos homens do nosso tempo? E, antes disso: na verdade Cristo se manifesta ainda hoje, ou tem razão aqueles que dizem que Deus está morto ou que se cala? Não se estará realizando em nós aquela terrível palavra de Cristo: “Uma geração perversa e adúltera pretende um sinal! Mas nenhum sinal lhes será dado!” (Mt 16,4; Mc 8,11)? Há um sinal para nós?
Numa situação de perda profunda como esta, o profeta Isaías – o escutamos na primeira leitura  - apontava como sinal do retorno de Deus ao seu povo a nova Jerusalém reconstruída depois do exílio, a cidade sobre o monte, à qual todas as gentes, como saindo das trevas, acorrem para encontrar o Senhor: “Levanta-te, acende as luzes... Eis que a terra está envolvida em trevas, e nuvens escuras cobrem os povos; mas sobre ti apareceu o Senhor, e sua glória se manifesta sobre ti” (Is 60,1-2).
Parece fácil e imediato a passagem da situação de Isaías para a nossa. Desde sempre, na verdade, se  repete (é o  Novo testamento que inaugurou esta interpretação!) que esta cidade de luz, aquele sinal levantado entre as nações, é a Igreja, a nova Jerusalém. A liturgia de hoje não faz nada mais do que nos inculcar este pensamento: a Igreja é para nós hoje o sinal por excelência do sinal da presença e da glória de Cristo (Is 60,3; Ap 21,24). Mas devemos confessar que a coisa não é assim tão fácil. A Igreja hoje para muitos “uma esposa velada”, ou seja, um sinal não reconhecível, um sinal de contradição. Não podemos mais partir com tanta segurança dela;  devemos muito mais chegara ela. Por um lado, ela está muito próxima ao significado – a Cristo – pela qual é o seu corpo, para ser também sinal dele; por uma outra parte, ela é muito próxima ao homem, se confunde muito com ele, com os seus problemas e com as suas fraquezas, para servir de sinal de Deus para os homens.
Eu creio que também hoje existam outros sinais que podem tornar manifesta a epifania de Cristo; sinais menos universais do que aqueles que apontamos com a palavra “Igreja”. Mas pertencentes  sempre ao seu âmbito ideal. O Concílio Vaticano II dedicou uma grande atenção a estes sinais que, com uma expressão evangélica, chama “os sinais dos tempos (Mt 16,2). Na constituição Gaudium et Spes (n.11) lemos: “O Povo de Deus, movido pela fé com que acredita ser conduzido pelo Espírito do Senhor, o qual enche o universo, esforça-se por discernir nos acontecimentos, nas exigências e aspirações, em que participa juntamente com os homens de hoje, quais são os verdadeiros sinais da presença ou da vontade de Deus”.
Entre os sinais do nosso tempo pelo qual o Concílio vê a presença operante de Cristo há o sentido de solidariedade e de interdependência que vai se desenvolvendo entre os povos, o ecumenismo dos cristãos, a promoção dos leigos, a emancipação da mulher, o sentido novo da liberdade religiosa. Porém estes são sinais que  Igreja recebe do mundo (mais do que dar ao mundo) e que ela deve “buscar e discernir” (cf.GS 4). Quando Jesus falava dos “sinais dos tempos”, entendia sobretudo os sinais dos tempos messiânicos que ele dava ao mundo: Os cegos recuperam a vista, os coxos andam, os leprosos são curados, os surdos voltam a ouvir, os mortos ressuscitam, aos pobres é pregado a boa nova” (Mt 11,5). Existem hoje estes sinais? Certamente que sim! Mas como acontece ao redor de Jesus, ] mesmo que grandiosos, eles podem passar despercebidos a quem não se deixa envolver, por quem está distraído ou vai atrás de outras noticias. As vezes, ficamos desconcertados ao constatar o quão pouco as crônicas do tempo notam Jesus. Mesmo assim, pelos Evangelhos, temos a impressão que em volta dele se realizavam eventos que deviam virar o mundo de cabeça para baixo e estar na boca de todos.
Também hoje Jesus realiza os seus sinais messiânicos, mas somente quem está “vigilante” os vê e se alegra com eles: cegos que recuperam a luz da fé e da esperança ao contato com a palavra de Deus; coxos espirituais ( e as vezes também físicos) que se levantam e caminham, abandonando o leito de morte em que viviam; encarcerados de si, do mal ou dos homens que se libertam das cadeias; gente, em síntese, que pelo poder de Cristo e do seu Espírito se converte e vive. Quantas vezes, diante destes fatos, me vieram à mente estas palavras de Jesus: “Bem aventurados os olhos que vêem o que vós vedes!” (Lc 10,23).
Quero insistir particularmente em um destes sinais messiânicos porque Jesus o deu quase como sinal por excelência: “Aos pobres é anunciada a boa nova” (Lc 7,22). Não é um sinal que Cristo está trabalhando na Igreja através  desta ânsia típica da nossa época, que a boa nova chegue aos pobres? Talvez nós hoje estejamos em grau de descobrir um novo significado naquelas palavras de Jesus: “Os pobres sempre tendes convosco, mas a mim não tereis sempre” (Mt 26,11); como se dissesse: quando eu não estiver mais fisicamente  convosco, haverão os pobres que me representarão; fazei a eles aquilo que quereríeis fazer a mim!
Não temos nenhum medo em reconhecer que Cristo se serviu também de ideologias estranhas à Igreja, como aquela do marxismo, para despertar nela esta ânsia. Também no Antigo Testamento Deus declara muitas vezes de servir-se de outros povos para provocar ciúmes em Israel, para provocá-lo e chamá-lo à consciência da sua responsabilidade (cf. Dt 32,21). DO mesmo modo fez também conosco cristãos e nós compreendemos que este é um daqueles sinais dos tempos pelos quais ele nos ensinou a reconhecer a sua vinda.
A ida ( ou retorno) do Evangelho aos pobres pode parecer às vezes muito lenta e incerta e nem sempre coerente, mas seria injusto negar que em toda a Igreja está em ato uma preocupação, um zelo e – isto que também é positivo – um remorso em relação aos pobres, sejam eles indivíduos ou povos inteiros. É uma nova consciência que “manifesta” o poder da palavra de Cristo. É um sinal que o inexorável transcorrer do tempo que tudo arrasta não consegue a tirar esta presença, a engoli-la e a diferi-la (como não conseguiu a morte e o sepulcro), que nenhuma cultura ou civilização – nem mesmo aquela materialista e burguês do ocidente – conseguiu e nem conseguirá empatar o seu caminho. A nossa época se encontra diante dele com toda a sua força de contestação como um sinal inapagável da presença de Deus no mundo. Notus in Iudaea Deus, diziam os hebreus (Sl 76,2):  “Deus se manifesta em Judá”; nós dizemos: Cristo se manifesta na Igreja!
Assim me esforcei de descobrir convosco os sinais da Epifania de Cristo que continua a nossa volta. Outros sinais existem certamente, além destes mencionados. No Evangelho lemos, a um certo ponto, que Jesus “começou a censurar as cidades nas quais tinha sido realizada a maior parte de seus sinais, porque não se converteram. Ai de ti Corazim! Ai de ti Betsaida!” (Mt 11,20s). Oxalá que não sejamos também nós uma daquelas cidades onde Jesus fez o maior número de sinais! A cada um de nós, a tarefa urgente por descobrir  é valorizar estes sinais para se converter. A cada um de nós, a tarefa de se tornar, nós mesmos, um sinal da presença de Cristo no mundo!
Fonte: Raniero Cantalamessa, La parola e la vita - anno B,  Città Nuova (Trad.)

 
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