ADOLESCÊNCIA E CASTIDADE
As leituras de hoje nos apresentam duas figuras muito caras à tradição cristã: o profeta (primeira leitura) e a virgem (segunda leitura). Aliás, não se trata apenas de duas figuras, mas também de dois carismas: profecia e virgindade.
O profeta por excelência foi Jesus Cristo, como mostra o nexo entre a primeira leitura e o texto evangélico. Mas também o virgem por excelência foi Jesus Cristo; N’ele a profecia foi virginal (isto é, não adulterada), e virgindade, profética. Depois de Jesus, isso se repete (com todas as falhas que conhecemos) para a Igreja, que é, também ela, virginal e profética. Vejamos como manter juntas as duas coisas na reflexão sobre a Palavra de Deus deste domingo.
Na segunda leitura, São Paulo nos falou da virgindade, isto é, de quem não se casa para estar inteiramente, alma e corpo, disponível para o Senhor. Mas a virgindade, além de um estado escolhido, ou melhor, concedido a alguns por toda a vida, é também uma fase da vida de todos. É a condição que caracteriza ao menos fisicamente o período de amadurecimento do ser humano, em geral a sua adolescência. Diz respeito, portanto, não só a quem não se quer casar, mas também a quem ainda não se casou de fato, aos jovens.
Quando a Igreja explica ou defende a moral sexual da Bíblia (como fez no recente documento sobre “Os cristãos e o sexo”), ela nada mais faz do que continuar esse magistério profético que já foi o de Paulo e o dos apóstolos, por isso não é lícito ignorar a sua voz sob a desculpa, infeliz, de que nem todas as suas argumentações são igualmente convincentes. Um pouco desse importante documento do magistério da Igreja parece-me particularmente alinhado com aquilo que ouvimos hoje de Paulo: o que proíbe as relações pré-matrimoniais. Entramos nesse assunto também porque, desse modo, continuamos o discurso sobre estados de vida, iniciado no domingo passado: viver escatológica e profeticamente não só o próprio matrimônio, mas também a própria adolescência e a própria juventude!
Nós cristãos, devemos fazer a esse respeito duas coisas: uma sincera autocrítica (tirar a trave do nosso olho!) e uma corajosa denúncia. A autocrítica é esta: por muito tempo assimilamos e fizemos nossos os preconceitos devidos não ao Evangelho, mas a culturas a ele estranhas como o maniqueísmo de antigamente e o puritanismo moderno; contribuímos desse modo, para alimentar um culto exagerado e fetichista da virgindade física, que em certos ambientes gerou e gera ainda ansiedades e mesmo crimes. Nesse campo, não pede a Igreja que se retorne a tempos passados, quando aos jovens não se lhes permitia escolher livremente o próprio companheiro (os pais escolhiam por eles), nem lhes era permitida a freqüência e intimidade recíproca que é necessária para conhecer-se a fundo, para provar os próprios sentimentos e o próprio caráter e amadurecer no amor. Desse ponto de vista, a mudança de costumes que ocorreu foi uma mudança para melhor, não para pior.
Mas, dito isso, devemos também gritar bem forte que aquilo que hoje se tenta fazer substituir a tal culto fetichista é outro tanto, se não mais, desumano. A alternativa, de fato, é o desprezo, pior ainda, o ridículo que se joga sobre a pureza e sobre a virgindade dos adolescentes. Existem moças às quais o ambiente inculca uma espécie de complexo de inferioridade diante de sua virgindade, mesmo que ainda muito jovens. Numa escola de segundo grau distribuiu-se um teste no qual se perguntava a rapazes e moças quantas relações sexuais têm, com quantas pessoas, de qual sexo, com que freqüência, com quais intuitos. Que é que pode pensar de si um adolescente ainda de posse da sua virgindade, ante tal questionário, senão que é um anormal? O caso de naquela escola existir quem tivesse escolhido não manter relação sexual nenhuma antes do casamento não fora sequer aventado. Não queremos exagerar; é de esperar que, a despeito de tudo, esse fenômeno esteja ainda limitado a uma sociedade sofisticada e pseudo-emancipada. Mas ai de nós, adultos, se não ajudarmos os jovens a desmascarar esse terrível engodo. É o mesmo que com a droga. Também nesse campo há quem tenha o interesse de levar os jovens ao primeiro passo, para ter depois uns tantos clientes a mais e alguns compradores novos de certo comércio, desgraçadamente, muito próspero.
Devemos fazê-lo em respeito à pessoa, antes mesmo que em respeito à religião e à moral. Porque esse complexo de inferioridade que se quer criar nos jovens que desejam “esperar” o matrimônio, é algo de estúpido; pior, é violência: uma forma refinadíssima de violência, muitas vezes exercida exatamente por parte de quem diz bater-se contra a violência e em favor da liberação da mulher. Ela priva a pessoa de uma das maiores possibilidades da sua existência: a de fazer o dom consciente e livre de seu próprio ser, alma e corpo, a quem tiver mostrado ser digno de recebê-lo, e recebê-lo como aquilo que é em realidade, isto é, um dom a ser permutado no amor e na dedicação total, a coisa mais séria que é dada ao homem realizar livremente na vida, visto que o nascer e o morrer – coisas igualmente sérias – não dependem da sua vontade.
Sobre essa doação total, também física, diz a Igreja que não pode acontecer senão quando se está à altura de assumir toda a responsabilidade, inclusive a possibilidade de acolher uma nova vida; isto é, quando ela constitui um dom irrevogável e não uma simples experiência, ou pior, um jogo. Quando – acrescenta para os batizados – tal doação é santificada pelo sacramento que a insere no plano da salvação levada a efeito por Cristo.
Esse não é um limite que a Igreja impõe: impõe-no a Palavra de Deus contida na Escritura; é um dos dez mandamentos de Deus – o sexto -, que Jesus veio aperfeiçoar, não abolir: “Não pecar contra a castidade.” Nem sempre os jovens estão à altura de dimensionar quão pouca liberdade há num gesto realizado aos 15 ou 16 anos, mesmo que naquele instante se sintam no auge da sua liberdade. Sentem-se realizados com aquilo que se pode ver a meio caminho, ou no início da escalada, não por aquilo que se vêem quando se alcança o topo da montanha. Quantas lamúrias ouvimos daqueles que, há seu tempo, foram impacientes e não souberam esperar a sua hora! Recolher-se para se doar: esse deveria ser o programa para os anos de preparação ao matrimônio. O pequeno curso de água na montanha, se encontra um dique, engrossa, torna-se um lago capaz de produzir energia e luz; mas se desce pouco a pouco, à medida que se distancia da nascente, consome-se sozinho e não movimenta nem acende coisa alguma. O dique pode constituir uma barreira; e de fato, quanta força de “contenção” se postula muitas vezes aos 18 anos! Mas é o caminho para não banalizar o sexo e o amor. Não se seguiu à liberação sexual – observou um conhecido sociólogo – o universo alegre e dançante previsto por certos filósofos da década de 1950, mas a droga e a pornografia, que são “os terríveis substitutivos do amor entre o homem e a mulher”. Ou mais precisamente: não liberação e valorização – como se anda proclamando -, mas banalização e destruição do amor e de suas possibilidades.
Ajudar os jovens, dizíamos. Mas que meios temos nós para fazê-lo? Não, por certo, a coação! É preciso educar os jovens para o uso da própria liberdade, não tolhê-la ou querer exercê-la em lugar deles. A Igreja só tem um meio para fazer isso: reevocar a Palavra de Deus, começando por aquela que é a mais antiga de todas: “O homem se unirá à sua mulher para formar uma só carne, mas isso só depois de ter deixado seu pai e sua mãe” (citação livre de Gn 2,24). Isto é, depois que tiver criado um novo núcleo familiar, depois que tiver tomado esta decisão séria e irrevogável de sair de sua casa, como fez Abraão com Sara, e pôr-se a caminho, junto com sua companheira, em direção a seu próprio futuro.
Assim fazendo, a Igreja resgata missão profética de que falávamos no começo, e a resgata na medida em que fundamenta o seu profético não, não tanto sobre razões naturais, sociológicas e antropológicas que proíbem as relações pré- matrimoniais (argumentos que se mostram às vezes incapazes de vencer as razões subjetivas até mesmo entre os crentes), quanto, ao invés, sobre a clara vontade de Deus, fazendo apelo ao dever da “obediência da fé” (Rm 1,5).
Reevoque-se, pois, a Palavra de Deus, explique-se aos jovens o projeto maravilhoso do Criador ao fazer o homem e a mulher; fale-se do matrimônio como remédio para a solidão (cf. Gn 2,18), mas do que como remédio para a concupiscência. Faça-se entender que aquela Palavra de Deus não é uma lei exteriormente imposta, não é uma coerção; porque não fomos nós que nos fizemos, mas Ele que nos fez e só Ele sabe verdadeiramente como somos feitos, qual é verdadeiramente “o caminho da vida” e qual, ao contrário, “o caminho da morte” (cf. Jr 21,8). Não se trata, pois, de um laço que se arma para apanhar o homem – para usar a linguagem de São Paulo -, nem de um freio que se põe ao seu impulso para o amor, mas de um convite àquilo que é digno (segunda leitura).
Não devemos, no entanto, iludir os jovens que nos escutam. Essa não é uma escolha fácil; a escolha fácil – o caminho largo – é a outra. Essa é uma luta contra a carne e contra o sangue (cf. Ef 6,12), isto é, contra si mesmos; é feita para quem tem coragem e não pretende deixar-se levar pela correnteza; é feita para quem tem a humildade e a tenacidade necessárias para não se deixar abater e para recomeçar sempre a cada vez. Porque, no seu sentido mais verdadeiro, virgem – isto é, homem de coração limpo – não se nasce, faz-se. Vale também para esse campo o que se diz da conversão contínua.
Jesus, falando dessas coisas, disse um dia: “Quem puder compreender, compreenda” (Mt 19,12). Rezemos para que o contacto e a comunhão que agora realizamos com o corpo eucarístico de Cristo nos ajudem a “compreender” de fato e a redescobrir a beleza daquela Sua bem-aventurança: “Bem-aventurados os puros de coração” – isto é, bem-aventurados aqueles que se decidiram a manter puro o próprio coração -, “porque verão Deus!”(Mt 5,8).
Raniero Cantalamessa, La Parola e la vita, anno B, Città Nuova (trad.)